31/01/2007

Lembrando SOUSA FRANCO


32.
Sousa Franco foi cabeça de lista do PS ás eleições europeias de 2004.

Quer se queira, quer não se queira, por muito que isso custe, o aborto é sempre a eliminação de uma pessoa humana não nascida, a destruição de uma vida.

A eminente dignidade da pessoa atribui-lhe, desde que começa a existir (e esse começo é hoje bem delimitado pela ciência), um núcleo essencial de poderes e deveres, dos quais o primeiro é o direito à vida.

Se a violação da vida não fosse crime, o que então haveria de sê-lo?

Mercê da consideração de alguns circunstancialismos, têm-se divulgado a aceitação de algumas hipóteses-limite em que o aborto não deveria ser considerado como crime. Foi nesse sentido que, em 1984, se aprovou a primeira lei do aborto, no ano passado levemente retocada (1997). Seriam, para alguns, situações extremas, nas quais estariam em causa razões que eventualmente poderiam concorrer com a vida intra-uterina, prevalecendo mesmo sobre ela. De certo modo, ela procurou como que tipificar algumas causas de justificação privilegiadas pela lei (violação, perigo para a vida da mãe…).

A verdade é que, no presente debate sobre o aborto, nenhuma aproximação dessa natureza se pretende fazer. Tal como decorre da formulação que foi aprovada, vai simplesmente perguntar-se aos portugueses se aceitam a legalização do aborto livre. Nenhuma outra coisa está em cima da mesa.

O aborto livre, por mais curto que seja o prazo para a sua execução e por mais cautelas que se tenham na realização dessa operação num estabelecimento de saúde, jamais se pode considerar admissível à luz da dignidade da pessoa.

A razão é simples: porque a sua legalização implica aceitar que a dignidade da pessoa humana não nascida se perca; porque a sua legalização tem a consequência de a um ser humano – a mãe – se atribuir o “poder de vida e de morte” sobre outro ser humano – o filho que vai ser eliminado.

A civilização dos valores do Mundo de hoje fez-se paulatinamente, com pequenos avanços e alguns recuos, numa firme senda de dignificação do Homem. Através de muitas etapas, como a abolição da escravatura, a extinção da pena de morte ou a humanização das penas, fomos construindo um Mundo de princípios, em que a pessoa humana se apresenta, cada vez mais intensamente, no cume da Ordem Jurídica.

A legalização do aborto livre – diferente de justificação ou desculpabilização de casos concretos – é a passagem de uma fronteira decisiva, representando um grosseiro recuo nessa protecção, que permite – como outrora na lei da selva – o domínio dos fortes sobre os fracos, dos que já estão instalados sobre os que vêm depois.

Essa não é a sociedade humana que sempre idealizei e por que, esteja onde estiver e exerça os cargos que exercer, sempre pugnarei a título pessoal.Acredito numa sociedade em que prevaleça a Solidariedade para com os mais fracos e os mais débeis, que por isso mesmo merecem a nossa protecção. Mais fracos e mais débeis no plano económico, pessoal, social e afectivo, no da exclusão como no da deficiência.

E há no Mundo pessoa mais frágil, mais indefesa e mais inocente do que um ser humano não nascido?
António de Sousa Franco - Lisboa, 15 de Maio de 1998."

In: Vida e Direito - Reflexões sobre um referendo, Cascais, Principia, 1998.